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WandaVision é o melhor que a Marvel sabe fazer, de um jeito que nunca fizeram antes

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Wandavision, primeira série da Marvel para o Disney+ dá início ao futuro da Marvel nos cinemas pós-Vingadores Ultimato de forma promissora

Por Marcelo Silva

Quando anunciaram “Wandavision” (um nome que inclusive continua tosco, nós só nos acostumamos), era quase impossível saber o que esperar. Primeiro porque Wanda Maximoff e Visão sempre foram dois personagens conhecidos pelo seu imenso poder e duradouro relacionamento nos quadrinhos, mas tinham capacidades reduzidas e uma química quase nula nos cinemas, então uma série focada no casal era difícil de visualizar. Depois porque a showrunner Jac Schaeffer prometia algo que era “parte sitcom, parte espetáculo Marvel” e… como assim a Marvel faria uma sitcom?

Com o adiamento de “Viúva Negra” e “Eternos” para os próximos meses de 2021, ficou para “WandaVision”, logo no começo do ano, a responsabilidade de reiniciar o Universo Cinematográfico Marvel, que havia concluído seu primeiro grande arco em “Vingadores: Ultimato” (ok, tivemos um filme do Homem-Aranha, mas trato como um epílogo). Mais do que isso, a minissérie precisava mostrar porque ainda valia a pena continuar acompanhando essa franquia.

Depois de nove semanas cheias de discussões e teorias pela internet, é interessante perceber como até nos imprevistos, a Marvel acaba fazendo as coisas funcionarem a seu favor. Começar uma nova fase com “WandaVision” foi a oportunidade de mostrar algo fora do padrão tão bem estabelecido desde 2008, mas que ainda carregava o principal elemento que fez os filmes do estúdio serem tão bem sucedidos até hoje: a humanidade e facilidade de simpatizar com os seus personagens.

Isso porque a festa de CG no final pode ser bonita, os easter eggs dos quadrinhos podem ser divertidos e os mistérios que encheram o Reddit de teorias semanalmente instigaram o público, mas não se engane, essas coisas sozinhas não sustentam uma história. A popularidade dessa minissérie não duraria uma semana sem personagens interessantes ou uma protagonista bem desenvolvida (tá aí “Game of Thrones” para provar que quando você deixa o desenvolvimento de personagens de lado, sua série morre). E não bastasse o roteiro fazer o seu trabalho, o elenco também não decepciona.

Foi ótimo ver Elizabeth Olsen pegando esse trabalho como a chance de ouro de mostrar tudo que pode fazer com essa personagem depois de tantos filmes em que ela era basicamente uma figurante de luxo.

wandavision
imagem divulgação

Aqui ela é o verdadeiro pilar da história, entregando semana a semana uma versão nova e sempre convincente da mesma personagem: a esposa dona de casa dos anos 50, as diferentes representações de mães em sitcoms através das décadas, a super-heroína, a feiticeira, a garota atormentada pelo passado e a mulher que quebra o tecido da realidade para suportar a devastadora dor do luto. O fato de acreditarmos com facilidade de que tudo isso faz parte da mesma personagem no final é um atestado do competente trabalho da atriz aqui.

E mesmo tendo menos tempo de tela – a série é sobre Wanda, apesar do nome – Paul Bettany também consegue entregar algo além do robô com ar de sábio e fala mansa dos filmes e aqui Visão é engraçado, bondoso, nobre e acima de tudo, tem uma lealdade inabalável à esposa. O timing cômico de Bettany é impecável. Mas um dos maiores triunfos da minissérie foi conseguir algo que a essa altura parecia impossível: a química entre Olsen e Bettany é excelente, de tal forma que parece que eles já trabalham nessa cumplicidade há anos – quando os filmes sempre falharam miseravelmente em tornar esse casal convincente.

Os dois só são superados mesmo por Kathryn Hahn, que finalmente ganha o destaque que sempre mereceu depois de anos de papéis menores numa infinidade de filmes e séries. Agnes, a “vizinha enxerida”, rouba a cena sempre que aparece e sua virada nos episódios finais torna a personagem ainda mais irresistível, com Hahn claramente se divertindo no papel que assume. Se fizerem a campanha direito e submeterem o episódio certo (o 8, no caso), não duvide de um Emmy na prateleira da atriz até o final do ano.

 O fato de Hahn ter sido tão impactante numa minissérie que já constrói tão bem dois personagens que eram conhecidos do público é prova de como o foco no potencial de seus personagens sempre foi o que fez a Marvel funcionar nos cinemas, como afirmado anteriormente.

Porém, até então a fórmula era a mais tradicional: expor as emoções e a evolução dos personagens criando situações em grande escala nas quais eles se viam envolvidos e na busca por uma solução, descobriam algo novo ou precisavam enfrentar uma falha sobre si mesmos. “WandaVision” segue um caminho diferente, onde a criação do conflito em grande escala, a exposição das emoções, evolução da personagem, descoberta de algo novo e o enfrentamento da falha estão interligados, um alimentando o outro a cada episódio.

A forma como isso se traduziu na minissérie foi a benção e a maldição dela. Como prometido pela showrunner, a série realmente foi “meio sitcom, meio espetáculo Marvel”, com resultados… quase sempre positivos. A ideia da história se desenrolar por formatos de sitcoms através das décadas é de longe a premissa mais criativa e inusitada que a Marvel já teve. E estar integrado com a personagem em todos os sentidos é a cereja do bolo.

Porque daria para aceitar isso tranquilamente como uma simples homenagem à história da televisão só pelo primor com que cada uma é retratada, com suas referências claras, mudanças na razão de aspecto da tela, maquiagem, figurino, estilo de comédia e trilha sonora (as composições de Kristen Anderson-Lopez e Robert Lopez são impecáveis, as inspiradas nos anos 80 e 90 e claro, aquela música inspirada no tema de “Família Monstro” são especialmente maravilhosas), mas Schaeffer foi além.

E aqui, começam os SPOILERS, então para você que não viu nada, fica o aviso (e a urgência para assistir o quanto antes)

As sitcoms não só fazem parte da infância de Wanda como representam também o american way of life, o estilo de vida difundido por décadas na televisão e idealizado por gerações não só de americanos, mas de pessoas do mundo todo. A vida em família dos “enlatados americanos” do passado é a imagem da “vida perfeita” que Wanda tem, portanto é isso que ela constrói com Visão, criando o cenário perfeito para desenvolver essa história.

Ao mesmo tempo, o que acontece fora desse mundo perfeito dá o tom do “espetáculo Marvel” prometido, com a S.W.O.R.D. (uma organização do Universo Marvel especializada em ameaças cósmicas) investigando o sumiço dos habitantes da pequena cidade de New Jersey que Wanda “sequestrou”. Depois dos 3 primeiros episódios somos apresentados a Monica Rambeau (uma criança em “Capitã Marvel”, aqui interpretada por Teyonnah Paris, excelente), a figura principal da minissérie no mundo real, além de revermos Jimmy Woo (Randall Park, de “Homem-Formiga e a Vespa”) e Darcy Lewis (Kat Dennings, de “Thor”).

Aqui curiosamente é onde surgem os grandes problemas da minissérie – mesmo sendo a parte mais próxima do que esperávamos assistir. Porque a verdade é que daria para tirar todo esse núcleo e a série ainda funcionaria perfeitamente, talvez ainda melhor do que já funciona. A presença de Monica ali é interessante, porque a personagem é promissora e principalmente pelo paralelo que faz com Wanda (ela perdeu a mãe nos 5 anos do estalo de Thanos) e Darcy está ali como a máquina de exposição para contextualizar o que estamos vendo na primeira parte da história.

Fora elas, todo o resto é um adicional que pouco colabora para a trama principal. Hayward é um personagem bizarro, um vilão sem motivações, sem história e sem um objetivo fora transformar Visão numa arma (o que ele faz, eventualmente). Por que ele estava tão empenhado em matar Wanda a qualquer custo? Jamais saberemos. Na verdade, mesmo se tivesse algum fundamento ali, sua presença ainda seria desnecessária porque a figura de um vilão na história é inútil.

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O trunfo de “WandaVision”, como dito anteriormente, está na história de uma mulher lutando contra a dor do luto e descobrindo um poder inimaginável quando consegue entender e superar esses traumas. Os episódios brilham quando focam no relacionamento entre Wanda e Visão na primeira parte da história e no medo de Wanda vendo sua ilusão desmoronar na segunda.

Não é a toa que os grandes momentos da minissérie não são a luta entre os dois Visões ou o duelo entre feiticeiras promovido por Wanda e Agatha Harkness no último episódio, mas sim o confronto entre o casal sobre a realidade de Westview no final do quinto episódio, a reflexão de Visão sobre o luto no penúltimo – “O que é o luto senão o amor que persevera” é desde já, uma das melhores frases de 2021 – e a despedida deles no final da minissérie.

Não é sobre grandes segredos do universo, nem sobre super-demônios interdimensionais, muito menos sobre super-heróis vindo salvar o dia. E é compreensível como pode ter sido frustrante para muita gente chegar ao final da história e não se deparar com nada disso, mas a verdade é que Schaeffer e Matt Shakman (diretor dos 9 episódios) nunca prometeram isso.

Afinal de contas, uma história que começa com o cotidiano de Wanda e Visão vivendo no subúrbio americano nos anos 50 terminar com o Doutor Estranho derrotando um super-demônio para salvar Wanda depois dela ter aberto o multiverso revelando os X-Men seria… bizarro, não?

Claro que existe o clima de mistério, com pequenas peças sendo reveladas a conta-gotas para a audiência e para o fã de Marvel que é movido a easter eggs e dicas para produções futuras desde 2008, isso é um gatilho para as teorias mais insanas. E mesmo sem ir muito além das fronteiras do seu próprio universo, “WandaVision” ainda é uma loucura. Cenas no estilo de “I Love Lucy”, festas de Halloween super coloridas, mockumentaries, organizações secretas, o julgamento das bruxas de Salem, o surgimento da Feiticeira Escarlate, tudo isso acontece na mesma minissérie.

Mas tudo sempre converge para o mesmo lugar, para o que era de fato a premissa que queriam explorar: os traumas de Wanda, sua luta para superá-los e o poder que isso desencadeia. Ninguém está controlando Wanda e ninguém pode salvá-la a não ser ela mesma. E a potência dessa ideia é muito mais interessante que a dependência de um mago supremo ou um professor mutante.

E talvez essa seja a grande promessa que “WandaVision” deixa para o futuro da Marvel: histórias que apontem caminhos e mexam com elementos do seu Universo Cinematográfico, mas não dependam tanto deles para sobreviver. Produções contidas dentro de sua própria bolha (ou próprio “Hex”, como preferirem).

Já sabemos que os eventos da minissérie impactarão nos próximos “Doutor Estranho” e “Homem-Aranha”, mas não vimos nada que indicasse isso explicitamente, porque não faz parte dessa história, só do roteiro desses filmes. Quem é fã de longa data já sabe também que Monica Rambeau estará em “Capitã Marvel 2”, os filhos de Wanda e Visão viram Jovens Vingadores nos quadrinhos e os eventos da “Anomalia Maximoff” irão ecoar nas vidas de Jimmy Woo e Darcy quando eles provavelmente reaparecerem nos próximos “Homem-Formiga” e “Thor”, mas não precisamos ver nada disso aqui.

Do começo ao fim, Jac Schaeffer permanece fiel a história que queria contar e a conta de forma excepcional. Nem tudo se encaixa no final – chamar Evan Peters para o elenco e reduzi-lo a uma piada fálica foi uma besteira e quem era o amigo astrofísico de Monica? – mas o que realmente importa é esclarecido e o arco da personagem é maravilhosamente bem desenvolvido. E é uma conclusão agridoce, porque é só quando Wanda descobre a verdadeira extensão dos seus poderes, só quando ela se torna a Feiticeira Escarlate, que entende que a única forma de lidar com seus traumas é sozinha. Até para um dos seres mais poderosos do universo, o luto é dolorosamente humano.

“WandaVision” é de longe, uma das obras mais interessantes, bem escritas, criativas e divertidas que a Marvel já criou. Funciona não só como uma adição valiosa para o seu universo, mas como ótimo entretenimento mesmo – não a toa chamou atenção de muita gente que não acompanhava o Universo Marvel nos cinemas. Finalmente, já temos uma resposta para a pergunta do começo desse texto: vale muito a pena continuar acompanhando o Universo Cinematográfico Marvel. Novos personagens promissores, uma heroína com poderes que abrem um multiverso de possibilidades e a expectativa de histórias tão criativas, bem contadas e cheias de sentimento quanto essa.

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Agora a internet já está mobilizada para “Falcão e o Soldado Invernal”, fervilhando de teorias para “Doutor Estranho e o Multiverso da Loucura” e só esperando o primeiro trailer do próximo “Homem-Aranha” que estreia em dezembro. E isso porque nem mencionei Wiccano, Célere e os Jovens Vingadores…

Já pode fazer a música: Quem tem o público na palma da mão? Kevin Feige e mais ninguém…

Marcelo Silva, colunista de Cultura

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