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The Boys: mais brutal e desconfortável para acompanhar o mundo real

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Segunda temporada de The Boys, da Amazon, intensifica violência e amadurece roteiro para espelhar um mundo cada vez mais difícil de viver

Por Marcelo Silva

ATENÇÃO: Texto livre de spoilers da segunda temporada

A primeira temporada de “The Boys”, que estreou no Amazon Prime Video ano passado, foi uma das melhores surpresas do ano passado. Divertida, com uma trama coesa e personagens carismáticos, a série foi além de ser simplesmente uma história violenta e subversiva de super-heróis como o trailer mostrava. Mas não ia muito além de um bom entretenimento.

The Boys segunda temporada
“The Boys” tem tudo para se consagrar como uma das séries mais populares da atualidade (Foto: Reprodução/internet)

Alguns temas interessantes foram explorados, como o uso dos super-heróis como armas de guerra e a analogia deles com os EUA, que tendem a destruir todo lugar por onde passam sem nunca assumir as devidas responsabilidades por isso, mas eram referências sutis, que muitas vezes serviam só de pano de fundo e poderiam passar despercebidas para muita gente.

Como nos dias de hoje parece ter se tornado essencial desenhar as coisas para o público entender e a situação dos EUA – com um presidente apoiado por neonazistas e supremacistas brancos – não está abrindo mais espaço para sutilezas, o segundo ano da série as chutou para longe e o resultado foi uma temporada incrivelmente superior a inicial em todos os sentidos. Personagens, atuações, roteiro, direção, tudo subiu de nível para fazer “The Boys” ir além de uma simples “série-blockbuster”.

Por tudo entenda: a violência explícita que chamou atenção no primeiro ano está inclusa. Com o mundo real numa espiral de barbárie que só parece piorar a cada dia, “The Boys” levou a brutalidade um pouco além do limite do aceitável nessa temporada. Cabeças são partidas ao meio, explodem, derretem, tem a pele arrancada com as mãos, pessoas pegam fogo, são esquartejadas… em um dos episódios, dois personagens têm uma tenra conversa no meio das entranhas de uma baleia. Em determinados momentos chega a ser cartunesco, em outros é até desconfortável, mas a série precisa encontrar novas maneiras de chocar quando tanta coisa vem chocando bem mais do que qualquer filme ou série por aí.

E é nisso que a trama principal da segunda temporada se apoia. Sem qualquer interesse em mandar recado, o showrunner da série Eric Kripke traz referências a um pouco de tudo que vimos nos últimos quatro anos nos EUA – e em outras partes do mundo, como aqui. A chegada da nova heroína Stormfront (Aya Cash) e o medo fabricado dos superterroristas escancaram todo o populismo demagogo da extrema-direita, suas ideologias e a forma perigosa como elas influenciam a sociedade no universo da série.

Não é a toa que apesar de toda a carnificina já descrita, a cena mais brutal da temporada (talvez da série toda) envolve apenas um tiro. É o início do sexto episódio, em que vemos o dia a dia de um cidadão comum e as consequências da exposição constante a conspiracionistas e a “Vought News” (cujo logo tem o design exato da Fox News) ao som de uma melancólica versão de “What a Wonderful World”. Vem a memória imediatamente o caso do atirador de Kenosha, que aconteceu mês passado nos EUA. Cabeças explodindo podem chocar mas são só entretenimento da ficção, já essa sequência tem uma proximidade com a realidade assustadora.

The Boys - segunda temporada
Com o mundo real numa espiral de barbárie que só parece piorar a cada dia, “The Boys” levou a brutalidade um pouco além do limite do aceitável nessa temporada (Foto: Reprodução/internet)

O ótimo desenvolvimento da trama é reforçado pelos personagens que estão ainda melhores, defendidos um elenco ainda mais confortável e em sintonia. Aya Cash é a novidade, fantástica e absolutamente odiável como Stormfront. É interessante como o roteiro testa o espectador, jogando alguns detalhes sobre a personagem que normalmente despertariam empatia e criariam aquela ambiguidade que a maioria dos outros na série tem, transitando entre o bem e o mal. Porém, ter qualquer sentimento positivo sobre ela vai dizer muito sobre quem está assistindo, levando em conta a verdadeira identidade da “super-heroína”.

Os veteranos Karl Urban e Karen Fukuhara também se destacam, com muito mais para fazer com seus Billy Butcher e Kimiko nessa temporada e Jack Quaid tem alguns ótimos momentos como Hughie – o melhor no episódio 3, quando ele representa um pouco de todo mundo em 2020. Mas quem domina cada segundo de tela e toma a segunda temporada para si é mesmo Anthony Starr. Seu Homelander só cresce a cada episódio, chegando num ponto em que a mera presença do personagem gera cenas de pura tensão, já que sua natureza imprevisível (e a total falta de limites da série) nos faz esperar qualquer coisa dele.

A estratégia de lançar um episódio por semana, indo na contramão da (terrível) moda criada pelos streamings também foi um grande acerto. Diferente da maior parte das séries da Netflix, onde metade da temporada costuma ser um completo marasmo e a outra metade um surto completo, já que o hábito de maratonar faz com que os episódios ruins acabem sendo diluídos pelos impactantes, “The Boys” precisava manter o hype do espectador por várias semanas, o que resultou em 8 episódios intensos, sem muito espaço para respirar e com ganchos sempre empolgantes pra semana seguinte.

Não que tudo tenha sido perfeito: Profundo (Chace Crawford) ficou sem ter muito para onde ir no final da temporada passada e está completamente perdido aqui, preso numa trama desinteressante que não vai para lugar nenhum. Infelizmente o mesmo acontece com Maeve (Dominique McEligott), uma personagem cheia de potencial que é relegada a aparições esporádicas repetindo a mesma série de ações sempre e sem o devido desenvolvimento que os outros têm. É absurdo que exista espaço até pra uma crise existencial do homem-peixe mas não para Maeve ir além de um tokenismo LGBTQ+ (e é irônico que a própria série tire sarro de Hollywood por fazer isso).

Mas são problemas que, apesar de serem facilmente evitáveis, não chegam a derrubar o saldo final dessa surpreendente segunda temporada de “The Boys”. O catártico season finale tem tudo que os fãs estavam esperando, desde sequências de ação empolgantes – uma especificamente entrega de forma orgânica e arrepiante algo que até a Marvel deu uma forçada para entregar em “Vingadores Ultimato” – até a resolução inacreditável de alguns mistérios meticulosamente construídos a temporada inteira.

Esse final também já deixou o terreno preparado para muita coisa na terceira temporada, que promete mergulhar ainda mais na política (seja lá o que aconteça nos EUA após as eleições), na insanidade de Homelander e na escalada do conflito entre os super-heróis e o grupo que quer destruí-los (já que mais motivos surgem para isso surgem a cada momento). E se o impacto nas redes sociais e na audiência do Prime Video significar algo, “The Boys” tem tudo para se consagrar como uma das séries mais populares da atualidade. Mas por enquanto, já é sem dúvida uma das mais legais de se acompanhar.

Marcelo Silva, colunista de Cultura

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