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Quem se importa com o Oscar?

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Quem ainda se importa com o Oscar?

Por Marcelo Silva

Há sete anos, Ellen DeGeneres – na época ainda aproveitando a fama de “celebridade que todos gostam” – apresentou a 86ª cerimônia do Oscar, que terminou com “12 Anos de Escravidão” levando a estatueta principal e “Gravidade” com sete prêmios. Vários momentos desse Oscar são lembrados até hoje: Ellen distribuindo pizza aos convidados, a icônica selfie que quebrou o Twitter, John Travolta anunciando Idina Menzel como “Adele Dazeem”… 

Agora, um rápido exercício: vocês conseguem citar um momento memorável nas cerimônias seguintes que não seja o erro no anúncio de Melhor Filme em 2017? Voces assistiram todas as cerimônias seguintes, ou pelo menos viram vídeos na internet depois? A verdade é que deve ser mais fácil lembrar desses momentos de 2014 porque “todo mundo” assistiu a cerimônia naquele ano. Foram 43,63 milhões de espectadores acompanhando a premiação só nos EUA, a maior audiência que o programa teve desde 2000 e uma das 10 maiores da história desde quando os números começaram a ser registrados.

No ano seguinte, não conseguiram manter essa marca mas já era esperado, uma leve queda aconteceu. O problema é que pela primeira vez, isso foi se mantendo. Ano após ano, a audiência do Oscar foi caindo, indo da casa dos 30 para os 20 milhões e em 2021, o choque: 10,4 milhões de pessoas ligaram na cerimônia que consagrou Chloé Zhao e “Nomadland”, os piores números da história da premiação e um alerta vermelho urgente para o futuro. 

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Justiça seja feita, uma relativa queda de audiência já era esperada, afinal de contas, a pandemia fez cinemas fecharem, deixando os filmes limitados a streamings e festivais e para piorar, longas turnês para promover as produções pelo mundo tornaram-se impossíveis, fazendo filmes independentes como os vencedores “Nomadland” (Melhor Filme, Direção e Atriz) e “Minari” (Melhor Atriz Coadjuvante) dependerem de festivais e de uma tímida estreia onde os cinemas estivessem abertos, o que fez com que eles passassem em branco pelo público geral. Ficou a sensação de um vácuo, como se não houvessem filmes o suficiente para sequer disputar o Oscar. 

Também houve um obstáculo para as cerimônias em si, com muitas conferências via Zoom e apresentadores solitários, o que ajudou a fazer o interesse geral do público nesse conteúdo diminuir consideravelmente esse ano. Todos os eventos do tipo sofreram um baque nos EUA, com o Emmy registrando pouco mais de 6 milhões de espectadores, o Grammy batendo em 9,23 e o Globo de Ouro fazendo 6,91 milhões. 

Quem se importa com o Oscar?
Regina King abre a cerimônia do Oscar 2021

Mas os números do Oscar expõem um problema que vai muito além do impacto do COVID, já que mesmo no auge essas três outras cerimônias sempre registraram números menores que o grande prêmio do cinema. O Emmy se mantém entre 12 e 19 milhões de espectadores há mais de uma década, o Grammy costuma ficar na casa dos 20 com raros picos e o recorde de audiência do Globo de Ouro é de 19,4 milhões. Já o Oscar sempre foi monumental, ficando entre 35 e 45 milhões de espectadores todo ano. Ter sofrido para chegar a uma dezena é sinal de que estão fazendo algo terrivelmente errado. 

Não que a cerimônia em si tenha ajudado. Em termos de entretenimento, o Oscar 2021 foi um desastre sem precedentes para a premiação. O começo promissor logo foi afundado num mar de decisões erradas, com os vencedores não tendo limites de tempo para os discursos, as categorias sendo anunciadas só com artistas falando interminavelmente e sem vídeos (as tradicionais “Oscar tapes”) para cada uma, nenhuma performance musical e o grande horror da noite, a troca na ordem das categorias finais, com Melhor Filme vindo antes de Atriz (vencido por Frances McDormand, de “Nomadland”) e Ator (uma vitória surpresa de Anthony Hopkins, por “Meu Pai”), numa tentativa falha de capitalizar em cima da perda trágica de Chadwick Boseman. Chegar ao final desse engodo foi um martírio e os números já mostraram que a maioria das pessoas nem tentou. E não as julgo. 

Porém, não é de agora que a Academia sofre para tentar descobrir o que faria as pessoas voltarem a assistir o Oscar. Em 2019 tentaram várias mudanças radicais, como tirar categorias e performances de canções da cerimônia televisionada, dispensar um apresentador (a única de fato concretizada) e, na mais infame das medidas, quase implementaram a categoria de Melhor Filme Popular, desistindo da ideia temporariamente depois de serem rechaçados de todos os lados (ela ainda segue como uma proposta em aberto). Vale dizer que apesar da categoria não ter entrado, as produções populares ganharam espaço, com “Pantera Negra”, “Nasce uma Estrela” e “Coringa” recebendo indicações em Melhor Filme.

Nada parece ter surtido efeito. Os números seguiram batendo nos 20 milhões nos dois últimos anos e despencaram agora. E aí muita gente começou a se perguntar: será que realmente existe algo a se fazer? Ou as pessoas apenas… deixaram de se importar com o Oscar? As novas gerações sabem o que é, também acabaram transformando a palavra Oscar em sinônimo de prêmio importante, mas um filme ter ou não vários prêmios ainda importa para o público como costumava importar no passado?

Já faz um tempo que a “festa do cinema mundial” está sob pressão dos espectadores e da própria indústria. Sempre houveram diversas questões problemáticas por toda a história do Oscar, mas elas nunca vieram a tona com tanta força como nos últimos anos. O racismo velado que levou ao #OscarsSoWhite, a falta de mulheres na categoria de Direção, a ascensão do movimento #MeToo que colocou muitos membros gigantes da Academia em cheque (Harvey Weinstein e Roman Polanski foram expulsos), tudo contribuiu para a premiação perder muito da sua reputação especialmente entre pessoas mais novas. 

Também existe o que motivou a proposta da categoria de Melhor Filme Popular, que é a já famosa disparidade entre o que as pessoas consomem e o que o Oscar seleciona (todo mundo já deve ter ouvido ou mesmo falado a frase “eles só premiam coisa chata que ninguém assiste” uma vez na vida). 

Nos últimos anos, as chances de uma cerimônia mais assistida aumentam quando os principais filmes causaram algum impacto com o público. “Gravidade’, o grande vencedor do último Oscar que foi sucesso de audiência, arrecadou quase US$ 750 milhões mundialmente. Bem acima dos US$ 65 milhões de “Moonlight”, os 98 milhões de “Spotlight” ou ainda os modestos US$ 6,5 milhões de “Nomadland”.

O único aumento de audiência que a premiação experimentou desde que a queda livre começou foi em 2019, quando blockbusters e filmes menores dividiram espaço em Melhor Filme. A percepção geral é que com a premiação configurada como está agora, não tem nada que motive as pessoas a dedicarem quase quatro horas de um domingo na frente da TV para uma cerimônia cheia de filmes que elas não conhecem.

E aí chegamos no que pra mim é o principal problema, o ponto mais importante e a única coisa que não só a Academia do Oscar, mas também a do Grammy, Emmy e Tony parecem não querer admitir: o público que eles querem e precisam atingir simplesmente não assiste televisão. A cada ano, a audiência na faixa de 18 a 49 anos despenca mais. Manter o Oscar exclusivamente na televisão em pleno 2021 e limitar o engajamento na internet a apenas anunciar os vencedores pelas redes sociais é clamar pelo fracasso da cerimônia. 

Porque a verdade é que mesmo que os indicados não sejam populares, no final da noite da premiação o público ainda quer saber quem venceu o Oscar. Os filmes que ganham o prêmio principal ou ao menos se destacam com várias vitórias tendem a virar o centro das atenções das pessoas por alguns dias e ainda conseguem inflar um pouco os números na bilheteria dependendo do caso. 

Quem se importa com o Oscar?
Equipe de maquiagem de “A voz suprema do Blues”, primeiras mulheres negras a vencerem a categoria.

Aqui no Brasil por exemplo, “Parasita” aumentou consideravelmente seu circuito de exibição após sua vitória nas principais categorias, ficando em cartaz até o fechamento dos cinemas pela pandemia. O mesmo aconteceu com “Spotlight”, “Moonlight” e “La La Land” em seus respectivos anos. A reputação da premiação está manchada, mas não anulada. Vencer um Oscar ainda tem um peso imenso para qualquer filme, o prêmio em si ainda tem seu valor para o público. O que ninguém aguenta no momento é acompanhar a entrega dele da forma que acontece. 

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Com isso, apesar de todos os problemas apresentados até agora influenciarem no interesse das pessoas pela cerimônia, a solução mais efetiva está em atacar a questão mais óbvia: a exibição. É preciso seguir o caminho de premiações mais alinhadas com a geração atual, como o MTV VMA, que há alguns anos exibe a cerimônia por streaming além da TV e ainda vai além, liberando as performances e discursos de vitória no Youtube conforme eles acontecem. Em 2020 colheram os frutos disso com mais de 40 milhões de menções ao evento nas redes sociais e uma chuva de visualizações em cada vídeo do evento no canal da emissora. Tudo isso com a pandemia rolando.

Se a comparação do Oscar com o VMA pareceu ultrajante, é esse pensamento que precisa mudar. O Oscar tem muita pompa sim, mas no fim do dia o que passa na televisão é só mais uma cerimônia de entrega de prêmios como qualquer outra. É até meio bizarro pensar que a essa altura do campeonato, a Academia, que está indicando e premiando cada vez mais filmes em streaming, realmente ache que a dinâmica do entretenimento ainda se baseie no público tendo que correr atrás de uma mídia específica para consumir um conteúdo. Se até a experiência única do cinema já não é mais indispensável para muita gente, que dirá a televisão. 

Para se tornar uma cerimônia relevante e assistida por todos novamente, o Oscar vai precisar sair do passado e se render a streamings, sejam exclusivos da Academia, no YouTube ou em emissoras afiliadas, alem de fazer uma integração verdadeira com Twitter e Instagram para não deixar nada escapar da internet, desde um discurso de vitória até o vídeo completo de Glenn Close rebolando ao som de “Da Butt”. O Oscar ainda importa para muita gente e creio que muitos estejam dispostos a assistir. Mas no mundo do entretenimento em 2021, quem dita como vai assistir as coisas é o público. 

Ao mesmo tempo, não dá para esperar nenhuma decisão verdadeiramente inovadora de uma premiação que ainda gera marcos históricos de primeiros prêmios para mulheres e pessoas negras e asiáticas depois de 93 anos não é mesmo? Há um longo caminho pela frente…

Marcelo Silva, colunista de Cultura

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