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O lançamento de Mulan no streaming e o futuro do cinema

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Disney surpreende fãs e toda a indústria do entretenimento ao anunciar que Mulan, adaptação em live-action, será lançado dia 4 de setembro direto no serviço de streaming Disney+.

Por Marcelo Silva, novo colunista de cultura do Jornal Analítico. Jornalista, especializado em cultura cinematográfica, Marcelo é dono do canal do Youtube Pós-credito.

Nessa semana, a Disney surpreendeu seus fãs e toda a indústria do entretenimento ao anunciar que Mulan, adaptação em live-action de sua animação dos anos 90 e um dos seus grandes lançamentos para 2020, será lançado dia 4 de setembro direto no serviço de streaming Disney+ em todos os países que ainda estiverem com os cinemas fechados pela pandemia de COVID-19, como os EUA, Reino Unido, Austrália e vários países da Europa — o lançamento segue normal onde os cinemas reabriram ou estão pra reabrir, como na China, principal mercado que o estúdio está mirando, por motivos óbvios.

Surpresa maior do que o anúncio do lançamento foi a forma como isso será feito: os usuários do streaming terão que pagar US$ 29 para assistir ao filme, além da assinatura mensal.

Apesar de não ser o primeiro a ter um lançamento online devido a pandemia (“Scooby! O Filme”, da Warner e “Artemis Fowl”, também da Disney, estão entre outros exemplos de filmes que foram direto para streaming esse ano), Mulan é o primeiro grande blockbuster de 2020 que perde seu lançamento nos cinemas em escala mundial. 

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A decisão chamou atenção e tem causado polêmica por vários motivos. Além de ser um dos carros-chefe da Disney esse ano, o filme se destaca pela sua proposta de reinventar a animação de 1998 – que é extremamente criticada na China – com uma abordagem mais respeitosa e próxima da realidade da cultura chinesa. Além é claro, de ser um filme protagonizado por uma mulher e com elenco totalmente asiático.

Por isso, ver o estúdio desistindo da estreia nos cinemas de um filme tão significativo nos faz questionar se a mesma atitude seria tomada caso a produção em questão fosse algo mais “dentro dos padrões”.

Além disso, algumas redes de cinema pelo mundo tem expressado seu descontentamento, principalmente porque Mulan era visto como uma grande atração para chamar público, e não vou entrar no mérito da prudência de abrir os cinemas nesse momento – mas não, não é nada prudente.

Mulan, lançamento em Streaming
imagem cartaz publicidade Disney

Phil Clapp, CEO da Associação de Cinema do Reino Unido, afirmou que essa decisão é “desconcertante” e a vê como um “passo para trás mais do que para frente” e o dono da rede de cinemas independente Picture House brincou que ele estará sem teto quando a Disney decidir voltar a exibir seus filmes nos cinemas. Já na França, um vídeo de um funcionário de cinema destruindo um display de Mulan viralizou. 

Mais do que controversa, essa estratégia é também um risco enorme que o estúdio assume. Com orçamento de US$ 200 milhões, sem contar o que já havia sido gasto em marketing já que o filme estava bem próximo de ser lançado quando foi adiado, Mulan definitivamente não foi feito para estrear online.

O plano de cobrar um valor adicional para adquiri-lo é inteligente na teoria, já que garante o retorno financeiro que a Disney precisa, mas na prática sabemos que não é assim que as coisas funcionam na internet. 

Assim que o filme estiver disponível para compra, é questão de tempo até alguém disponibilizá-lo para download em todo canto, e isso inclui os países onde ele chegará nos cinemas e isso é algo que nem mesmo um estúdio do tamanho da Disney consegue controlar.

Como se não bastasse, ao cobrar um valor acima do normal para a compra do filme (normalmente lançamentos digitais – os chamados Video On Demand, ou VOD – custam US$ 19,99), eles só incentivam que mais pessoas sequer considerem pagar por um único filme numa plataforma que por si só, já é paga. 

Por outro lado, se o plano der certo e Mulan for bem-sucedido, uma nova porta se abre para uma possível revolução na forma de se lançar filmes, que pode ir muito além desses tempos de pandemia.

Produções como “Os Novos Mutantes”, “Tenet”, “Mulher-Maravilha 1984” e “Viúva Negra” tiveram suas datas de lançamento alteradas diversas vezes esse ano e o sucesso da produção da Disney pode levar os estúdios a reconsiderar o status dos seus blockbusters, que até então eram os únicos filmes que vinham sendo constantemente remarcados para estrear seja lá quando na tela grande pela garantia de sucesso de bilheteria.

Quando o coronavírus for coisa do passado, as salas de cinema ainda podem ver menos produções chegando até elas, já que um lançamento digital é bem mais barato de fazer acontecer— isso será um golpe duro nas redes de cinema, mas 2020 já ajudou a deixar bem claro que executivos de estúdio não estão minimamente preocupados com elas. 

O lançamento de Mulan no streaming e o futuro do cinema
imagem reprodução

Isso reabre todo o debate que volta e meia ganha espaço entre os cinéfilos graças ao que já acontece na Netflix há alguns anos: o cinema de fato vai ficar pra trás e cada vez mais a televisão, computador e celular se tornarão a única forma de se assistir a um filme?

Filmes lançados direto no formato digital devem ser tão considerados quanto filmes lançados no cinema?

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É claro que o que está acontecendo esse ano não é um parâmetro já que estamos vivendo uma situação excepcional, mas e depois, caso isso continue acontecendo? 

Por muitos anos, a “experiência” de se estar no cinema foi visto como algo imaculado e imbatível. Televisão, computador, internet, celulares, pirataria, home theaters, nada parecia derrubar o gosto do público de se estar numa sala escura com dezenas de pessoas e aproveitar um novo filme na tela grande.

Porém, quando isso deixou de ser uma opção esse ano, a impressão é que muitas pessoas perceberam que no fim das contas, ainda que ir ao cinema seja legal, a melhor forma de se aproveitar um filme é indiferente.

Claro que para muita gente, nada jamais substituirá o prazer de uma sala de cinema (como para este que vos escreve), mas talvez num futuro não muito distante, isso pode se tornar uma opção cada vez menos disponível. 

E num ano tão imprevisível como 2020, eu nem vou tentar projetar o que pode acontecer, já que amanhã a Disney pode mudar de ideia de novo e virar tudo de cabeça para baixo. O jeito é esperar para ver o desempenho de Mulan digitalmente. Vindo de um estúdio tão grande e influente, o resultado pode definir muito do futuro do cinema.

Trailer Oficial de Mulan

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